Quem sou eu ?
Eu não sou o corpo físico, composto de sete humores (dhatus). Eu não sou os cinco sentidos (audição, toque, visão, paladar e olfato), que apreendem seus objetos respectivos (som, sensação, forma, gosto e cheiro). Eu não sou os cinco órgãos da ação: fala, locomoção, manipulação, excreção e procriação, com suas respectivas funções (falar, movimentar, segurar, expelir e desfrutar). Eu não sou as cinco energias vitais ( prana, etc ), que executam as cinco funções de inspiração, etc. Eu não sou nem mesmo a mente que pensa. Eu não sou o estado de incognoscibilidade, no qual restam apenas as impressões residuais dos fenômenos, e no qual não há nem fenômenos nem atividade.
Se eu não sou nada disso, então quem sou eu ?
Depois de negar tudo o que foi mencionado como “não isto”, aquela Consciência que permanece por si só – eu sou Aquilo.
Qual a natureza da Consciência ?
A natureza da Consciência é Existência-Consciência-Beatitude.
Quando será obtida a realização do Eu Real ?
Haverá a realização do Eu Real, que é o observador, quando o mundo, que é aquilo que é visto, for removido.
Haverá a realização do Eu Real enquanto o mundo estiver lá (visto como real) ?
Não haverá.
Por quê?
O observador e o objeto, quando vistos, são como a corda e a cobra. Assim como o conhecimento da corda, que é a realidade subjacente, não se revelará a não ser que o falso conhecimento da cobra ilusória desapareça, igualmente a realização do Ser, que é a realidade subjacente, não será obtida enquanto a crença de que o mundo é real não for removida.
Quando é que o mundo, que é objeto visto, será removido ?
Quando a mente, que é a causa de toda cognição e de toda ação, tornar-se imóvel, o mundo desaparecerá.
Qual a natureza da mente ?
A mente é uma força maravilhosa inerente ao Eu Real. Ela causa o surgimento de todos os pensamentos. Não há mente fora dos pensamentos. Portanto, a natureza da mente é o pensamento. Fora dos pensamentos, não há nenhuma entidade chamada “mundo”. No sono profundo não há pensamentos, e não há mundo; nos estados de vigília e sonho, há pensamentos e também um mundo. Assim como a aranha tece sua teia partir de si mesma e depois a recolhe em si mesma, igualmente a mente projeta o mundo a partir de si mesma e novamente se dissolve em si mesma. Quando a mente emerge do Ser, o mundo surge. Portanto, quando o mundo parece ser real, o Ser não é visto. Quando a pessoa investiga persistentemente a natureza da mente, a mente terminará, deixando o Ser como resíduo. Por “Ser” refere-se ao Atman. A mente sempre existe dependendo de algo grosseiro; ela não existe por si só. É a mente que é chamada de “corpo sutil” ou “alma”(jiva).
Qual o caminho da inquirição para entender o caminho da mente ?
Aquilo que surge como “eu” neste corpo é a mente. Se você investigar onde no corpo surge o pensamento de “eu” em primeiro lugar, você descobrirá que ele surge no coração. Este é o local de origem da mente. Mesmo se você pensar constantemente “eu-eu” você será conduzido àquele local. De todos os pensamentos que surgem na mente, o pensamento de “eu” é o primeiro. Apenas depois do desaparecimento desse pensamento é que os outros surgem. É somente após o surgimento do primeiro pronome pessoal que o segundo e o terceiro pronomes pessoais surgem; sem o primeiro, não haveria o segundo ou terceiro.
Como é que se pode silenciar a mente ?
Pela Inquirição “quem sou eu”. O pensamento “quem sou eu ?” destruirá todos os outros pensamentos e – tal como a vareta usada para avivar a pira funerária – no final ele mesmo será consumido. Então haverá a Autorrealização.
Quais são os meios para de aderir constantemente ao pensamento “quem sou eu” ?
Quando surgirem outros pensamentos, você não deveria segui-los, mas investigar: “para quem esses pensamentos surgem ?” Não importa quantos pensamentos surjam. Na medida em que cada pensamento surgir, você deve investigar diligentemente “para quem esse pensamento surgiu ?”. A resposta que virá será “para mim”. Então, se você investigar ”quem eu sou ?”, a mente retornará a sua Fonte, e o pensamento que surgiu se aquietará. À medida que você praticar dessa forma mais e mais, o poder de a mente permanecer em sua fonte aumentará. Quando a mente, que é sutil, exterioriza-se através do cérebro e dos órgãos sensoriais, os nomes e as formas densas aparecem; quando ela permanece no Coração, os nomes e as formas desaparecem. Não permitir que a mente se exteriorize, mas mantê-la no Coração, chama-se “introversão” (antarmukha). Permitir que a mente saia do Coração é conhecido como “extroversão” (bahirmukha). Assim, quando a mente permanece no Coração, o “eu’, que é a fonte de todos os pensamentos, desaparecerá, e o Ser – que existe eternamente – resplandecerá. O que quer que você faça deve ser feito sem sentimento de “eu”. Se agir assim, tudo será visto como sendo natureza de Deus (Shiva).
Não existem outros meios para silenciar a mente ?
Não existem outros meios adequados para a auto-investigação. Através dos outros métodos, a mente apenas parecerá ter se aquietado, mas ela surgirá novamente. Através do controle da respiração, a mente também se aquietará, mas ficará quieta tão somente enquanto a respiração permanecer controlada, e quando o movimento da respiração for retomado a mente igualmente voltará a se mover e perambular impelida pelas suas impressões residuais. A fonte da respiração e da mente é a mesma. O pensamento é a natureza da mente. O pensamento de “eu” é o primeiro pensamento da mente; isto é o ego. A respiração e o ego se originam a partir da mesma Fonte. Portanto quando a mente se aquieta, a respiração é controlada, e quando a respiração é controlada, a mente se aquieta. Durante o sono, entretanto, as forças vitais continuam a trabalhar, apesar de a mente não estar manifesta. Isso é assim de acordo com a lei divina, a fim de proteger o corpo e afastar quaisquer dúvidas quanto estar vivo ou morto durante o sono. Quando a mente se aquieta durante o estado de vigília e no samadhi, a respiração também se aquieta. A respiração é a forma densa da mente. Até o momento da morte a mente mantém a respiração no corpo; quando a mente morre, leva a respiração consigo. Assim o exercício do controle da respiração é apenas uma ajuda para acalmar a mente (manonigraha), mas ele não a destruirá (manonasa). Tal como a prática do controle da respiração, a meditação nas formas de Deus, repetição de mantras, regulação da dieta, etc; são apenas auxílios para silenciar a mente. Através da meditação nas formas de Deus e repetição de mantras a mente se torna unifocada. A mente sempre estará vagueando. Da mesma forma que um elefante, quando lhe é dada uma corrente para ele segurar com a tromba, vai ficar agarrado na corrente sem largar; igualmente quando a mente está ocupada com um nome ou forma ela permanecerá apenas nisso. Quando a mente se dissipa na forma de inumeráveis pensamentos, cada pensamento é fraco; quando os pensamentos são dissolvidos, a mente se torna unifocada e forte para uma mente assim, a auto-inquirição será fácil. De todas as regras de disciplina, aquelas relacionadas com manter uma alimentação sáttvika em quantidades moderadas é a melhor; observando esta regra, a qualidade sáttvika da mente crescerá, e isso será de muito valia na autoinquirição. As impressões residuais dos fenômenos parecem ser intermináveis, tal como as ondas de um oceano. Quando é que elas serão destruídas ?Na medida que a meditação do Ser se aprofundar, os pensamentos cessarão.
É possível que as impressões residuais dos fenômenos, que existem desde tempos imemoriais, sejam dissolvidas, e que assim se permaneça enquanto puro Ser ?
Sem se entregar a dúvida, se isso é possível ou não, você deveria persistentemente se voltar para a meditação do Ser, por mais pecadora que uma pessoa possa ser, se ela parar de se lamentar “ai de mim que sou um pecador! Como posso eu alcançar a libertação?” e, abandonando até mesmo o pensamento de que é pecadora, dedicar-se zelosamente a auto-inquirição, ela com certeza realizará o Ser (Atman). Não existem duas mentes, uma boa e uma má- a mente é apenas uma. As impressões residuais é que são de dois tipos – auspiciosas e não auspiciosas. Quando a mente está sob a influencia de impressões auspiciosas, é chamada de boa; quando sob influencia de impressões não auspiciosas, é vista como má. À mente não deveria ser permitido vaguear rumo a atividades mundanas nem aquilo que diz respeito a outrem, por pior que os outros sejam, não se deve guardar nenhum ódio em relação a eles. Tanto o desejo quanto a aversão devem ser evitados. Tudo que se dá aos outros dá-se a si mesmo. Se esta verdade for compreendida, quem não dará aos outros? Quando o eu surge tudo surge; quando o eu se aquieta, tudo se aquieta. Quanto mais humildes formos, maior bem resultará. Se a mente for silenciada, pode-se viver em qualquer lugar.
A investigação deve ser praticada por quanto tempo ?
Enquanto houver impressões dos fenômenos na mente, a investigação “quem sou eu?” será necessária. Os pensamentos devem ser destruídos no mesmo momento e local em que surgem, através da investigação. Basta que se faça o uso de contemplação do Ser incessantemente, até que o Ser seja alcançado. Enquanto houver inimigos dentro da fortaleza os ataques continuarão; se os mesmos são eliminados no momento em que surgem, a fortaleza será conquistada.
Qual a natureza do Eu Real ?
Na verdade existe apenas o Eu Real. O mundo, a alma individual e Deus são aparências n’Ele, como a prata que aparece na madrepérola. Esse três aparecem a desaparecem ao mesmo tempo.
O Eu Real é aquilo no qual não existe pensamento de “eu” em absoluto. Aquilo chama-se silêncio (mouna). O Eu Real mesmo e o mundo; o Eu Real mesmo é o ego; o Eu real mesmo é Deus – tudo é Shiva, o Ser.
Não é tudo obra de Deus ?
Sem desejo, intenção ou esforço, o sol nasce; e em sua mera presença, a pedra do sol emite fogo, a flor do lótus floresce, a agua evapora e as pessoas vivem suas vidas e descansam. Assim como a presença do imã a agulha se move, as almas (jivas) submetidas a atividade tríplice da criação, preservação e destruição – que ocorre pela mera presença do Poder Maior – agem de acordo com seus Karmas, retornando ao descanso depois de suas atividades. Mas Deus em si mesmo não possui nenhuma intenção; nenhuma ação o toca. É como as atividades do mundo não afetando o sol, ou como os méritos e deméritos dos outros quatro elementos não afetando o espaço que a tudo permeia.
Qual o maior dentre os devotos?
Aquele que se entrega ao Ser, que é Deus, é o mais excelente dos devotos. Entregar-se a Deus significa permanecer constantemente no Ser sem permitir que qualquer pensamento surja que não o pensamento do Ser. Deus suporta quaisquer fardos que lhes são deixados. Já que o Poder Supremo de Deus que faz todas as coisas se moverem, porque deveríamos nós, em vez de submetermos a Ele, nos preocuparmos constantemente com pensamentos a respeito do que deve ser feito e como, e do que não deve ser feito? Sabemos que o trem carrega todas as cargas; então depois de adentrá-lo, porque deveríamos – para o nosso próprio desconforto – carregar a bagagem na nossa cabeça, ao invés de coloca-la no bagageiro e viajar confortavelmente ?
O que é desapego ?
Destruir completamente os pensamentos no momento e local em que surgirem, sem deixar qualquer resíduo – isto é desapego. Da mesma forma que aquele que busca uma pérola no fundo do mar amarra uma pedra ao redor de sua cintura, mergulha até o fundo e toma a pérola, igualmente cada um de nós deveríamos dotado de desapego, mergulhar dentro de si e obter a pérola do Ser. Não é possível a Deus e ao Guru efetivar a liberação de uma alma ? Deus e o Guru apenas mostrarão o caminho rumo a liberação; eles não vão por si mesmos levar a alma ao estado de liberação. Na verdade, Deus e Guru não são diferentes. Assim como a presa que caiu na boca do tigre não tem escapatória, também aqueles que caem no campo do olhar do gracioso Guru serão salvos e não se perderão; mesmo assim, cada um deve por seus próprios esforços seguir no caminho mostrado por Deus ou pelo Guru, e obter a liberação. Você só pode conhecer a si mesmo pelo seu próprio olho de sabedoria, não pelo olho de mais ninguém. Por acaso Rama precisa de ajuda de um espelho para saber que é Rama ?
É necessário para aquele que deseja ardentemente a liberação investigar a natureza das categorias (tattvas) ?
Da mesma forma como alguém vai jogar fora o lixo não necessita analisá-lo para ver o que é, também alguém que deseje conhecer o Eu Real não necessita analisar o número de categorias ou investigar suas características que ocultam o Eu Real. O mundo deve ser considerado um sonho.
Não há diferença entre o estado de vigília e o de sonho ?
O estado de vigília é longo e o de sonho é curto – fora isso, não há diferença. Assim como os acontecimentos do estado de vigília parecem reais enquanto está acordado, o que acontece no sonho também parece real enquanto se está sonhando. No sonho a mente toma outro corpo. Tanto no estado de vigília quanto no de sono, pensamentos, nomes e formas ocorrem simultaneamente.
Para aqueles que desejam a liberação, é útil ler livros ?
Todos os textos asseveram que para se obter a iluminação a mente deve ser aquietada; portanto, seu ensinamento conclusivo é que a mente deve ser silenciada. Uma vez que se tenha entendido isso, a leitura não é necessária. A fim de silenciar a mente você deve apenas investigar dentro de si mesmo o que é o seu Eu; como tal busca poderia ser feita nos livros? Você deve ver o seu Eu com seu próprio olho de sabedoria. O Eu Real está dentro dos cinco invólucros, mas os livros estão fora deles. Uma vez que o Eu Real deve ser investigado pela rejeição dos cinco invólucros, é fútil buscar por ele nos livros. Chegará um momento em que você deverá esquecer tudo o que aprendeu.
O que é felicidade?
Felicidade é a própria natureza do Ser; a felicidade e o Ser não são diferentes. Não há felicidade em nenhum objeto do mundo. Nós imaginamos, devido a nossa ignorância, que obtemos felicidade dos objetos. Quando a mente se exterioriza, experimenta sofrimento. Na verdade quando os desejos da mente são satisfeitos, ela retorna a sua morada e desfruta da felicidade que é o Ser. Similarmente, nos estados de sono, samadhi e desmaio, e quando o objeto desejado é obtido – ou o indesejável é removido – a mente de internaliza a desfruta a pura felicidade do Ser. Assim, a mente se move inquieta, alternadamente se afastando do Ser e retornando a ele. sob uma árvore a sombra é agradável; lá fora o calor é escaldante. Uma pessoa que caminha sob o sol sente-se aliviada quando chega na sombra. Alguém que vive indo do sol para sombra e da sombra de volta para o sol, é um tolo – o sábio permanece sempre na sombra. Igualmente, a mente daquele que conhece a verdade não deixa Brahman. Ao contrário a mente do ignorante perambula pelo mundo sentindo-se miserável, e de vez em quando retorna a Brahman para experimentar a felicidade. Na verdade o que é chamado “mundo” é apenas um pensamento. Quando o mundo desaparece, isto é, quando não há pensamento, a mente experimenta a felicidade; quando o mundo aparece, ela experimenta o sofrimento.
O que é a visão da Sabedoria?
Permanecer em silêncio é chamado visão da Sabedoria. Permanecer em silencio é dissolver a mente no Ser. Telepatia, conhecer os acontecimentos , presente e futuro, e clarividência não constituem a visão da Sabedoria.
Qual a relação entre sabedoria e o estar sem desejos?
Estar sem desejos é sabedoria. Os dois não são diferentes. Estar sem desejos é evitar que a mente se volte para qualquer objeto. Sabedoria não é o surgimento de fenômenos. Em outras palavras, não buscar aquilo que não é o Ser é desapego ou “estar sem desejos”; não deixar o Ser é sabedoria.
Qual a diferença entre inquirição e a meditação?
A inquirição consiste em reter a mente no Eu Real. A meditação consiste em pensar que eu sou o Brahman, Existência - Consciência – Beatitude.
O que é liberação?
Investigar a natureza do “eu” que está aprisionado, e assim realizar a sua verdadeira essência, é liberação.
Bhagavan Sri Râmana Mahârshi (30 de dezembro de 1879 — 14 de abril de 1950), mestre de Advaita Vedanta e homem santo do sul da Índia. Considerado um dos maiores sábios de todos os tempos, tornou-se conhecido no Ocidente especialmente através do livro "A Índia Secreta"
Bhagavan Sri Râmana Mahârshi (30 de dezembro de 1879 — 14 de abril de 1950), mestre de Advaita Vedanta e homem santo do sul da Índia. Considerado um dos maiores sábios de todos os tempos, tornou-se conhecido no Ocidente especialmente através do livro "A Índia Secreta"